Passei dois longos anos em busca da minha primeira chance no mercado de trabalho. Foram muitos currículos enviados e pouquíssimos retornos. Em um deles, que dizia respeito a uma vaga de barista, ouvi que, pela contratante, estava tudo certo: a vaga era minha! Bastava enviar meu laudo médico para a responsável de RH, pois era uma vaga exclusiva para Pessoas com Deficiência (PCD), e fazer uns exames médicos. Minha amiga havia me acompanhado na entrevista e testemunhou não apenas a confirmação de que eu finalmente iria poder trabalhar, mas também as minhas lágrimas de emoção, que ela acolheu com um abraço.
Para minha surpresa, um laudo apenas com os nomes e códigos dos diagnósticos não bastava, segundo a responsável. Precisei providenciar algo mais detalhado, que explicasse a natureza da minha deficiência e seu impacto na minha independência em diferentes contextos. Recebi ajuda da minha terapeuta para pensar em formas de dar ênfase à minha capacidade e, assim, a neurologista emitiu um novo laudo. Quando finalmente enviei o documento conforme as exigências da empresa, aconteceu algo que me marcou muito: pararam de me responder e passaram a ignorar minhas mensagens. Pelo visto, a vaga não era mais minha.
Segui produzindo textos para minha página do Instagram — Alice Neurodiversa — em que escrevia relatos sobre minha vida enquanto pessoa autista e com TDAH. Em seu início, a página, que comecei em 2019, tinha como única utilidade me ajudar a me comunicar com meus pais e explicar melhor a eles questões que não entendiam sobre a própria filha. Com o tempo, meus textos passaram a atingir também outras famílias, e ganhei a oportunidade de produzir relatos sob encomenda, como freelancer. Além disso, fui convidada para eventos e palestras, alguns dos quais foram remunerados, e comecei a fazer revisão de texto para uma editora de livros didáticos.
Sabendo que não daria para viver apenas disso, minha mãe, ao ter contato com um primo que possui uma editora, me conseguiu a oportunidade de entrar de vez na área da revisão. Como nem tudo são flores, o trabalho não era nada inclusivo às minhas particularidades, e falhei totalmente em segurar a oportunidade. A frustração dentro de casa era crescente, e até a possibilidade de ser interditada foi levantada. Parecia que eu nunca conseguiria conquistar o direito de trabalhar formalmente e ter a minha independência financeira.
Algum tempo depois, uma amiga autista que conheci graças à minha página me enviou o link de uma vaga de emprego que achou que tinha a ver comigo. Diferente de tantas outras, não havia exigência de experiência prévia no mercado de trabalho formal e parecia algo que eu realmente ficaria feliz em fazer. A vaga era para “Designer de Conteúdo Jr.”, numa empresa que eu já tinha ouvido falar, chamada Jusbrasil. Com a disposição de quem não iria desistir tão cedo, atualizei meu currículo com ajuda de uma agente de emprego apoiado, escrevi uma carta de apresentação pela primeira vez na vida e ensaiei a entrevista com uma amiga designer e minhas terapeutas.
Ser chamada para uma primeira entrevista não era novidade, mas fui positivamente surpreendida quando me deram total liberdade para participar da maneira que fosse melhor para mim, fosse escrevendo ou até com a câmera desligada. A entrevistadora também era uma Pessoa com Deficiência, e, como era uma vaga afirmativa, um dos assuntos discutidos foi sobre o desejo de aumentar ainda mais o número de pessoas colaboradoras PCD dentro da empresa. A experiência da entrevista foi, num geral, muito positiva, mas o que se sobressaiu, para mim, foi a ênfase dada ao fato de que escrever textos para minha página contava como uma experiência de trabalho, ainda que não formalmente. Isso me acendeu uma faísca de esperança.
Alguns dias depois, veio a real novidade: eu havia passado para a segunda fase do processo seletivo. Foi nesse momento em que a faísca começou a se transformar em um verdadeiro fogaréu, mas me diziam para não ficar muito confiante, pois poderia acabar muito decepcionada. Contive as expectativas e prossegui pelo processo com calma, paciência e honestidade. Quando me dei por mim, estava chorando ao contar para minha mãe que havia conseguido um emprego, e ela pulou de alegria junto comigo.
É realmente complexo expressar o que o Jusbrasil significa para mim, especialmente a minha primeira entrevistadora, que foi a primeira pessoa a me dar uma chance, meu time de Creative e todo o pessoal de Design. Para começo de conversa, eu fui de uma pessoa possivelmente interditada para a pessoa com a maior renda dentro de casa. Fui de desacreditada por mim mesma e pela família a alguém que recebe elogios pela qualidade das suas entregas. Conheci colegas, muitos dos quais se tornaram meus amigos, inclusive com deficiência e outras formas de diversidade.
Eu não percebia tão bem a dimensão do que era fazer parte do Jusbrasil até pouco tempo atrás, quando participei, pela primeira vez, de um evento presencial da empresa, a Design Week. Quando eu soube do que se tratava, desanimei, pois precisaria viajar sozinha para outro estado, o que seria algo além da minha capacidade atual. Felizmente, eu estou em uma empresa realmente inclusiva e que prezava pela minha participação, pois bastou eu manifestar o motivo de não poder ir que me garantiram que fariam tudo que fosse necessário para que eu fosse. No final, minha mãe foi como minha acompanhante, tive uma salinha separada à qual recorrer quando me sobrecarregasse e, o mais importante de tudo, meus colegas foram amáveis, respeitosos e compreensíveis.
Estava no meu primeiro emprego, viajando para São Paulo pela primeira vez e na minha primeira viagem a trabalho. Participar do evento de Design me possibilitou me conectar muito mais às pessoas do capítulo de Design e entender melhor o que fazemos. Os colegas vinham conversar comigo e pediam antes se podiam me abraçar, mas mal sabiam eles que minha intenção era dar um abraço daqueles em cada um desde que minha ida se tornou viável. Ver o profissionalismo de todos me inspirou, e eu me senti aliviada de ter esperado dois anos para encontrar o lugar certo para mim. Agiram naturalmente até à presença da minha mãe no escritório!
Algo que confirmou o quanto eu não poderia ter tido uma oportunidade de primeiro emprego melhor foi o painel de Diversidade, Inclusão e Inovação que tivemos durante a Design Week com a Pri Cardoso, Head de D&E&I do time de People. Muitas questões importantes foram discutidas e refletidas. Uma das minhas colegas mencionou que, em seu emprego anterior, precisava se trancar no banheiro para chorar. Não muito tempo depois, com muitos se sentindo confortáveis para expor suas ideias e dores, já estávamos chorando um na frente do outro, sem ninguém precisar se esconder no banheiro. Acho que isso resume bem a conexão do nosso time e a segurança que sentimos uns com os outros. Não é à toa que, na hora de embarcar para vir embora, eu chorei de saudades.
Para ficar ainda mais confiante em escrever este texto, conversei com duas amigas do Jusbrasil.
“Desde o processo seletivo do Jusbrasil, eu tive uma experiência muito boa aqui. Sendo uma pessoa surda que precisa de intérpretes de Libras nas reuniões e entrevistas, percebi que a empresa lidou com isso com uma naturalidade. Foi diferente em outros lugares que eu já passei, em que as pessoas pareciam despreparadas e não sabiam como lidar com o fato de eu ser surda. Aqui, eu me senti bem e acolhida, principalmente pelo meu time” — Relatou Malu Dini, designer Jusbrasileira e mulher surda.
Sobre a Design Week, ela contou que também se sentiu incluída e acolhida desde antes do evento, quando ocorreram conversas junto à organização e outros colegas do time.
“Isso fez diferença para mim, pois mostraram total preocupação e respeito com as dinâmicas e estratégias de comunicação” — Expressou Malu.
Já Pri Cardoso, que nos levou às lágrimas com seu maravilhoso painel, relatou que
“ainda há desafios a serem enfrentados na promoção da Diversidade e Inclusão no Jusbrasil, porém observo um solo fértil para isso. No momento, estou na jornada de conhecer todos os times para observar de perto os desafios. Tem sido incrível e acredito que cada vez estou mais próxima das pessoas que apoiarão a transformação acontecer”.
Isso mostra que, mesmo estando à frente de muitas empresas no que tange à inclusão, ainda temos o que melhorar. Pri também contou que ser a única mulher negra, lésbica e neurodivergente em posição de liderança é solitário. Ela complementou:
“Estou trabalhando ativamente para encorajar mais pessoas como eu a ocuparem cargos de liderança na empresa e assim termos um ambiente mais igualitário e representativo”.
Posso dizer que sou realmente grata tanto por estar aqui quanto por ter a chance de fazer parte da transformação do Jusbrasil no que diz respeito à busca por mais diversidade e inclusão neste espaço. Até o momento, sinto que, no que depender de mim e das pessoas com as quais convivi até o momento, podemos esperar pelo melhor. Apenas de estar aqui, já percebo o quanto somos evoluídos em Inclusão e Acessibilidade. Entrei há menos de cinco meses, e há mais ou menos esse tempo que eu não tinha nenhuma perspectiva de entrar para o mercado de trabalho com tantos “nãos” ditos de tantas formas diferentes. E, quando vejo o trabalho da Pri e dos grupos de afinidade e a disposição do nosso time de Designers, percebo nosso potencial de acolher as diversas formas de diversidade cada vez melhor.