Em novembro, participei, junto com outros designers do Jusbrasil, do Interaction Latin America 2023, que aconteceu em La Plata, na Argentina. Um evento de 3 dias repleto de palestras, sendo muitas delas excelentes provocações sobre os impactos da IA no dia-a-dia de designers. Em uma delas, a de Gustavo Soto, ouvi que “chegamos no fim da era do Design Thinking, pelo menos da forma como conhecíamos até hoje”, e confesso que esta frase ecoa até agora na minha cabeça, a ponto de eu querer aprofundar esse assunto.
Eu me lembro muito bem de quando, lá em 2011, participei da minha primeira conferência de design, a Pixel Show em São Paulo, onde fui apresentado ao Design Thinking como um pensamento revolucionário para resolver problemas. Claramente, cheguei bem tarde nesse assunto, já que o termo havia sido criado em 1959 por John E. Arnold, professor de engenharia mecânica na Universidade de Stanford, e amplamente divulgado, nos anos 90, pela consultoria de design IDEO.
Anos mais tarde, quando migrei do design editorial para o UX, me aprofundei mais ainda no Design Thinking, com todas as suas metodologias de empatia, definição, ideação, prototipagem e testes. Por isso, permaneço inquieto desde quando ouvi que tínhamos chegado ao fim dessa era, a era do Design Thinking como conhecemos.
A princípio, eu quis negar essa ideia de fim do Design Thinking. Mas, ao olhar pro trabalho que venho realizando no Jusbrasil, chego à conclusão de que essa provocação não poderia estar mais certa, e que parte da enorme mudança de paradigma que estamos vivendo é a inserção da IA nas nossas vidas e nos nossos processos de design.
O pensamento criativo de design para desenvolver soluções, que é o Design Thinking, é e continua sendo um conceito real e necessário na nossa atuação. Mas a entrada de uma nova persona (e já explico melhor porque a chamo assim), que é a IA, implica em ampliarmos a nossa visão e reestruturamos nossos processos.
Veja bem, até então tínhamos por consolidado que a tríade de negócio, tecnologia e usuário era composta por duas partes controláveis e uma variável. Explico: enquanto gestores, produteiros, engenheiros e designers, temos o total controle por trás das decisões de negócio que queremos tomar, e da mesma forma usamos a tecnologia a nosso favor, seja utilizando algo consolidado ou criando algo novo. Mas a última parte da tríade, o usuário, é incontrolável: ele tem vontades próprias; suas limitações ou intenções fazem com que o contato que ele tem com o nosso negócio e tecnologia seja múltiplo; há milhares — quiçá milhões — de possibilidades de se interagir com nosso negócio e com nossa tecnologia. Por isso, precisávamos estudar muito mais profundamente as dores, necessidades e limitações dos nossos usuários para, ao menos, projetar melhores caminhos e soluções. Mesmo assim, vamos ser surpreendidos com o passar do tempo.
Precisamos entender que vão existir comportamentos diversos para pessoas diversas, alguém de 20 anos se comporta diferente de alguém com 60, um usuário daltônico tem necessidades diferentes de outro com baixa visão. O caso de uso principal do Instagram, por exemplo, até poderia ser o jovem que vai publicar seus vídeos curtos e fotos, mas também há quem use a plataforma como portfólio de fotografia, ou como loja virtual, ou como um blog de notícias, ou como canal de atendimento, ou até como um lugar pra aplicar golpes — e espero que Instagram cuide disso.
São milhões de possibilidades de interação e necessidades que os usuários têm e nos apresentam. E para isso, até hoje, se consolidaram times e mais times de design focados em estudar esses usuários. É claro que esses times também estudam tecnologia e negócio, mas estes dois são, como já disse, controláveis e previsíveis. Já o usuário, não.
A provocação feita no ILA23 foi de que agora, por mais que queiramos encaixar a IA apenas dentro do cenário de “tecnologia utilizada”, ela é em si uma outra persona que mês após mês vem sendo aprimorada para ser cada vez mais “viva” e incontrolável tal como é o usuário.
Pode ser que tenhamos ainda um tripé, em que o único elemento controlável é o negócio, e a tecnologia, com IA, e o usuário são variáveis. Mas também podemos enxergar como um quadripé, onde a IA ocuparia sozinha o espaço do quarto pé, já que por mais que ela pudesse se encaixar dentro da tecnologia ela é em si um “segundo usuário”. Se pensarmos bem estaremos projetando uma conversa entre duas “pessoas”, a pessoa usuária e a IA, ambas não completamente controláveis, nosso trabalho é entendê-las.
IA está remodelando a forma como interagimos com tecnologia
Gustavo Soto, diretor da Deloitte Digital, Claudia Gutierrez, consultora sênior de UX e AI e Damian Calderon, Product Manager na Arionkoder foram, pra mim, os protagonistas em trazer essa discussão à tona. Suas palestras — todas sobre IA — trouxeram três pontos de vista diferentes para o mesmo problema: como serão nossos processos de design daqui pra frente com IA?
Se até então o processo de design era composto por 5 etapas, da empatia ao teste, hoje temos mais etapas a serem adicionadas. Veja bem, até então precisávamos entender profundamente as dores de nossos usuários (empatia) para entender que problemas iremos resolver e com qual tecnologia (definição), propor soluções inovadoras (idear) e prototipá-las (protótipo). Agora, com a entrada da IA, ela é em si um outro usuário. Ela tem “vida própria” e precisamos entender também profundamente quais são suas limitações e como podemos trabalhar com ela, caso a caso.
Mas devemos ter cuidado ao simplesmente introjetar de forma abrupta a IA no nosso dia-a-dia. Gustavo trouxe um estudo que apontou que, até 2030, 30% de nossas horas trabalhadas serão automatizadas com o uso de IA, e o estudo ainda considerou o momento em que isso deve impactar cada área listada. Outro dado importante a se considerar é o nível de senioridade de cada um. Um estudo, medindo rendimento e precisão, apontou que designers juniores que começaram a usar IA para criar suas UIs, como com o uso da ferramenta Uizard que cria interfaces a partir de prompts, aumentaram seu rendimento 43%, porém o mesmo estudo também trouxe que perfis seniores tiveram um resultado oposto, com 24% de precisão em seus projetos. A hipótese mais aceitável pra isso é que as interfaces geradas pelas IAs ampliam as possibilidades de criatividade e ideação para perfis juniores, porém seniores têm mais criticidade quanto ao que vão criar e o que recebem da IA faz com que tenham mais trabalho para ajustar e adaptar às suas realidades do que se tivessem criando do zero.
Gustavo ainda trouxe um debate muito rico à comunidade, a provocação de que uma IA é excelente em repetir tudo o que ela aprendeu, mas ela não consegue, até hoje, genuinamente inovar. Em um exemplo, ele pede para uma IA desenhar um carro do ano 3050, e o que recebeu foram desenhos de carros “futuristas” que só refletem a realidade de hoje sobre o que é o futuro.
Do mesmo jeito que precisamos ser protagonistas na implementação de IA nas nossas empresas, precisamos continuar nos aprofundando na inovação, pois esse é o enorme gap que ela deixa em nossas mãos.
Aprendi muito nesse ILA23, e deixo vocês com uma última fala de reflexão da palestra de Gustavo:
“Com o advento da IA, mais ainda nós designers seremos chamados para liderar espaços de inovação, de desafiar produtos e co-construir propostas de valor”. Vocês estão prontos?